Há uns dias, numa das minhas incursões relâmpago ao site do Público (o jornal), houve uma notícia que me chamou a atenção e que passo a descrever (eu tentei, mas não encontrei o link no site do Público; se alguém o encontrar por favor enviem-mo para incluir aqui). Resumindo, um artista costa-riquenho chamado Guillermo "Hababuc" Vargas decidiu apanhar um cão vadio que encontrou num bairro pobre de
Managua e levou-o para uma exposição de arte nessa mesma cidade. Aí, prendeu o cão, escreveu na parede em biscoitos de cão "Eres lo que lees", queimou incenso com cheiro a crack e marijuana, e pôs o hino
sandinista a tocar num rádio, ao mesmo tempo que deu ordens aos funcionários da exposição para não deixarem ninguém alimentar o cão. No dia seguinte, o cão já lá não estava, e tendo em conta que o mesmo estava visivelmente magro, algumas pessoas assumiram que o cão tinha morrido à fome. A notícia chegou aos ouvidos de algumas associações de defesa dos direitos dos animais, que reagiram circulando uma petição online para impedir que o artista responsável (o Hababuc) fosse representar o seu país natal na "Bienal Centroamericana Honduras 2008", que pelo que percebi é uma exposição internacional de arte.
Li a notícia, reflecti um bocado e voltei aos meus PCR's e géis de agarose convicto de que a situação era muito clara. Fiquei sinceramente espantado quando recebi um mail de uma amiga a pedir para assinar a tal petição (enviou para mim como pra os restantes endereços da agenda dela!). Fiquei espantado pelo simples facto de que essa minha amiga é estudante de arte e design no
IADE. O que é que tem a haver uma coisa com a outra?! Passo a explicar:
Fiz uma investigação e tentar perceber um pouco melhor situação, e encontrei milhares de blogs, sites, campanhas online, petições, foruns de discussão, etc. que não passam de cópias exactas uns dos outros. O que se pode concluir é:
1. Ninguém tem uma única fotografia do cão morto. Na verdade, ninguém efectivamente viu o cão morto!!! O cão simplesmente estava lá num dia, e no outro já não estava. O próprio Hababuc não confirma nem desmente se o cão morreu, e diz apenas o seguinte:
"I won't say the dog died. The importance to me is the hypocracy of the people where an animal is the focus of attention where people come to see art but not when it's in the street starving to death."
A responsável da galeria diz que nunca permitiria que tal acontecesse, e garante que o cão era alimentado frequentemente, mas que fugiu durante a noite (vinha na notícia do público).
2. Os vários blogs de boicote exageram vários aspectos da estória. Por exemplo, uns dizem que o cão estava acorrentado. Vendo as fotos que estão disponíveis (são sempre as mesmas) vê-se claramente que o cão está preso por uma corda que parece ridiculamente frágil (não é por isso inverosímil q o cão tenha fugido). Outros dizem q o artista pagou a 2 miúdos para irem apanhar o cão... alguns referem que ele pagou a 10 miúdos para perseguirem, aterrorizarem, e capturarem o inocente cão.
3. Durante o tempo da exposição, ninguém foi capaz de libertar o cão ou alimentá-lo, mesmo apesar de ser bastante óbvio que era a coisa mais correcta a fazer. De certeza que seria fácil alguém comprar um hambúrguer e dá-lo ao cão, ou simplesmente chamar a polícia. O próprio autor escreveu no seu blog:
"The purpose of the work was not to cause any type of infliction on the poor, innocent creature, but rather to illustrate a point. In my home city of San Jose, Costa Rica, tens of thousands of stray dogs starve and die of illness each year in the streets and no one pays them a second thought. Now, if you publicly display one of these starving creatures, such as the case with Nativity, it creates a backlash that brings out a big of hypocrisy in all of us. Nativity was a very sick creature and would have died in the streets anyway"
Ou seja, afinal a intenção do artista era chamar a atenção para os milhares de animais que morrem à fome nas ruas, algo a q as associações q o criticam também são sensíveis. No entanto, a petição não pede mais acção para impedir q isso aconteça, não pede políticas de recolha de animais vadios mais humanas (nos países em q existem, os animais são colocados em jaulas minúsculas até serem adoptados por alguém; se isso não acontecer são abatidos), a petição nem sequer pede q sejam tomadas medidas para q o artista seja devidamente condenado por um crime de abuso de animais. A petição pede para q a carreira artística do mesmo seja travada e manchada.
Ora isto é censura artística. Isto é uma forma q certos falsos moralistas têm de impedir que um determinado formato de expressão artística seja executado. Se se comprovar q o cão efectivamente morreu, então concordo q o Hababuc abusou um bocado, e provavelmente deveria ser acusado de crime por abuso de animais. Agora impedi-lo de expressar o seu ponto de vista através de uma obra artística é censurar a arte em si, como forma de expressão livre. E o q me espantou nisto tudo foi q quem não só assinou a petição, como pediu a toda a gente q conhece para assinar também, foi uma estudante de arte e design!!! Lembrei-me logo do caso retratado
aqui q é em muitos aspectos semelhante ao do Hababuc. Deixa aqui para os 3 (+1) leitores deste blog pensarem uma citação deste último senhor q referi (o bold fui eu q pus para evitar mal-entendidos):
Stills Photographer: Yeah.
Stills Photographer: Yeah.
Stills Photographer: Yeah.
Larry Flynt: Then surely the same God created her vagina. And, who are you to defy God?! Just shoot